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Guarda municipal com função de polícia matou 197 pessoas em São Paulo

Com o inevitável armamento da Guarda Municipal de Campos, os números da letalidade da guarda municipal das cidades do estado de São Paulo assustam. Em recente pesquisa e matérias realizadas pela Ponte Jornalismo, os números das corporações paulistas, que nasceram com caráter civil e hoje estão armadas, são assustadores. São casos de homicídios e abuso de poder, que em sete anos, matou 197 pessoas, em todo o Estado, apenas por guardas municipais metropolitanos.

Diante da demanda social por segurança, Campos segue o caminho de outras cidades, que têm militarizado as suas guardas para atender a uma bandeira político-eleitoral, assumindo assim funções de policiamento e repressão, não raro, como no caso de São Paulo, com bastante truculência.

A estudante Camilly Pereira, de 17 anos, após passar na hamburgueria em que o namorado trabalhava como entregador, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, para pegar carona com ele de moto para casa, foram seguidos por uma viatura da Guarda Civil Metropolitana (GCM). A adolescente foi baleada pelas costas e morreu. No relato do entregador Vinicius Caetano, 20, Camilly estava sem capacete e, quando viu a viatura, acelerou por receio.

Assim como Camilly, nos últimos sete anos outras 197 pessoas foram vitimadas em ações de guardas municipais em 59 cidades do estado de São Paulo – segundo dados do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP).

Casos como esse compõem o topo do ranking da cidade que lidera o número de mortes cometidas por guardas, a capital paulista: foram 43 vítimas, de 2017 a 18 de junho de 2024. Na sequência, vem São Bernardo do Campo, com 13 mortes; Osasco (12); Embu das Artes (8); e Cotia e Carapicuíba, com sete mortes cada. Das 59 cidades com vítimas fatais, 22 estão na região metropolitana.

Outro episódio que levou 18 anos para ter um desfecho foi o julgamento de dois GCMs acusados de matar o líder comunitário Leandro Machado, 23, em novembro de 2003, no bairro do Grajaú, zona sul da capital. Orlando Sérgio dos Santos e José Donizete de Freitas foram sentenciados, em 2022, a seis anos de prisão inicialmente em regime inicial e estão recorrendo em liberdade.

A família de Leandro acredita que os guardas estivessem em pânico por conta dos ataques do PCC que aconteciam na época e, por isso, atiraram ao verem o jovem apenas passando diante da base. O líder comunitário ajudava organizando eventos de rap e basquete para crianças da comunidade e naquele dia tinha saído para buscar a mamadeira da filha. Os guardas afirmaram que o líder comunitário invadiu a base com uma garrucha, arma de cano curto que costuma ser vendida como antiguidade.

Os casos de mortes praticadas por GCMs em serviço foram 100; os ocorridos durante a folga dos agentes, 97. Nos anos de 2017, 2019 e 2023, as mortes cometidas por guardas que não estavam trabalhando foram maiores que durante o trabalho.

A letalidade da GCM é consideravelmente menor que a da Polícia Militar paulista, tanto por conta do seu efetivo muito menor que o das polícias quanto pela abrangência territorial que a PM tem. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 214 dos 645 municípios no estado tinham guardas municipais em 2019. Esse é o estudo mais recente do instituto em relação à segurança pública municipal.

Contudo, o cenário acende alerta sobre as mudanças em uma corporação que tem por lei uma atribuição mais preventiva que repressiva. “Não surpreende que a letalidade da atuação das guardas seja reduzida porque as guardas municipais não deveriam, a priori, fazer o enfrentamento ao crime organizado, por exemplo”, aponta o advogado Eduardo Pazinato, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “É um problema, no entanto, a gente ter tanta perda de vidas humanas numa lógica de atuação da segurança pública”, diz.

Embora os dados do MP-SP não identifiquem qual inspetoria ou grupamento dentro da guarda foi responsável por cada morte, uma hipótese é a de que a ideia de “guerra contra o crime” tomou conta das GCMs – muitas das quais apresentam hoje grupamentos militarizados semelhantes aos da Polícia Militar, as chamadas Rondas Ostensivas Municipais (ROMU).

“Na perspectiva desse guarda militarizado ou do político, do prefeito, que adere essa lógica militar, ele vê o guarda que cuida da zeladoria, do patrulhamento comunitário, como um ‘guarda do passado’”, afirma José Douglas dos Santos Silva, pesquisador do Instituto Federal do Pará (IFPA) e autor de uma tese de doutorado que investiga o processo de militarização em guardas municipais da região metropolitana de São Paulo e a atuação das ROMUs.

“O modelo em disputa é o repressivo, o violento, o truculento. Alguns interlocutores que eu entrevistei diziam que para trabalhar na ROMU, no combate à repressão, tem que ter ‘sangue nos olhos’, tem que ser ‘faca na caveira’”, finaliza.

Com informações a apuração de Ponte Jornalismo, por Jeniffer Mendonça

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